segunda-feira, 28 de abril de 2014

A Trilha

"Quando você sentir que vai cair, cai antes! Mas cai de bunda."
O terreno era íngreme, acidentado e escorregadio. Ameacei cair várias vezes. Mas não caí feio. De certa forma, acho que o conselho da minha amiga foi o que me segurou. Eu estava preparada pra cair e, mesmo quando caí, não foi a pior coisa do mundo. A gente respira fundo, cai de bunda, ri e parte pra próxima. Abraçar a queda é mais fácil do que tentar se equilibrar de pé a qualquer custo.
Mas por que mesmo assim a gente resiste tanto? Por que é tão difícil assumir que a queda é iminente, mas não necessariamente dolorida?
Nem sempre é tão simples se entregar ao desconhecido. Até pra mim, que muita gente enxerga como uma pessoa prática e destemida. Nem tanto. 
É verdade que tive mais começos e recomeços do que muita gente da minha idade. Mas também tive muitas quedas. E dessas não me lembro de ter tido a capacidade de rir no momento em que aconteceram; eu não estava preparada. Por mais que eu soubesse da possibilidade, eu não acreditava na queda. Mas negá-la ou ignorá-la não a torna menos real, já que você não tem o controle sobre ela.
Eu sei, não ter o controle do que vai acontecer pode ser bem assustador. Qualquer pedrinha no caminho começa a parecer bem maior do que realmente é e te dá vontade de dar meia volta. 
Por outro lado, ter as mãos livres te dá espaço para agarrar muito mais do que aquela doce ilusão de controle que você achava que tinha. O desconhecido também pode ser surpreendentemente maravilhoso. Mas não se apoie demais em nada. Agarre, aprenda e deixe que siga seu caminho. A mão amiga que vai te dar segurança e te ajudar a levantar sempre será você e apenas você.
O tempo muda, o terreno fica mais sinuoso, as pedras se tornam cada vez menos confiáveis. Mas o seu próprio chão tem que estar sempre firme. Se for pra cair, que caia em si mesmo, pronto pra rir e levantar. Que seja. Mas que também seja pra fortalecer cada vez mais a certeza de que nunca vai deixar de procurar novas descobertas para viver e aprender.
Não importa o que aconteça, eu que traço minha própria trilha.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Sombras

Nesse último feriado de Páscoa, encarnei o melhor espírito aventureiro com meus amigos e explorei algumas cavernas do PETAR. O parque do interior de SP é simplesmente a maior concentração de cavernas da América Latina, sendo trezentas no total.
Nas seis cavernas que pude visitar, a minha parte preferida sempre era o "apagão": em algum lugar entre a próxima subida e a próxima pedra que você vai escorregar, todo o grupo arranja um lugar pra sentar e apagar suas lanternas. A escuridão é absoluta, o silêncio parece ser palpável e a sensação de isolamento é única; nada mais existe além de você mesmo. É um momento incrível, mas não deixa de ser um pouco assustador pra algumas pessoas.
Tentando dar sentido a essa sensação tão contraditória, me lembrei daquele mito da caverna do Platão. Ele dizia que a falta de percepção do ambiente em que estamos, que vai muito além das sombras que conseguimos enxergar nas paredes da caverna, deturba nossa noção de realidade e nos isola muito mais do que a caverna em si.
Voltando da aula de história em flashback, fiquei pensando na minha própria noção de sombras e realidade.
Por que a gente tem tanto medo de escuro, de silêncio, de si mesmo?
Onde tudo é luminosidade, pouco me questiono. É tudo previsível, sob controle e sabido. Quanto mais luz, melhor. Quando falta energia, quando meus olhos precisam se ajustar para enxergar qualquer vislumbre, a sombra vem a tona. E, com ela, também tudo que eu não quero ver, que ignoro e fujo pra longe. Do contraste entre luz e sombra, minha realidade interna não tem por onde se esconder, tornando claros meus defeitos e minhas qualidades sem distinção.
Não discordo de Platão, mas ouso acrescentar que pior que perder a noção de ambiente ou de sociedade é perder a noção de si mesmo. A partir do auto-conhecimento, sou capaz de aceitar e compreender minha condição atual que, por ser naturalmente passageira, não gera acomodação. E dessa compreensão surge a transformação, que então pode compreender e ajudar a transformar outros à minha volta, modelando também o ambiente em que vivemos.
A escuridão, o silêncio e o isolamento não devem ser temidos, da mesma maneira que não devemos temer a nós mesmos. Conhece-te a ti mesmo, e a luz se propagará.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Encontro

Quando lembro de rezar uma prece antes de dormir, o pai-nosso acaba sendo uma das mais simples e fáceis de lembrar. Mas, quando eu chego na parte do "seja feita vossa vontade", alguma coisa me impede de chegar firme até o "amém". Porque nem sempre faz sentido.
Se a vontade d'Ele deve ser feita e não a minha, por que eu tenho desejos?
Melhor abrir mão da minha individualidade e calar e reprimir de vez meus desejos?
No fim das contas, adianta alguma coisa desejar?
Meditei hoje buscando respostas, tentando entender não só o quê desejo, mas porquê desejo.
Quero uma casa, uma viagem, um amor, uma família, um trabalho lindo, um carro, uma conquista, uma... felicidade. Tudo isso que eu quero tem por trás o princípio simples e básico de ser feliz. Mas me pareceu meio triste colocar nossa felicidade no "quando eu tiver", "quando eu for" ou "quando eu fizer". Nada agora, tudo amanhã. E, ao mesmo tempo, tudo pra ontem.
Por isso, resolvi experimentar diariamente o "eu sou". 
Busco agora as ferramentas para alcançar a felicidade dentro de mim, sempre ao meu alcance. E no momento em que eu atinjo meu ponto de gratidão e contentamento, percebendo o privilégio de estar viva em tudo que há em mim e à minha volta, a felicidade flui como rio que segue naturalmente seu curso até o mar. 
E, a partir desse contentamento natural, a ansiedade silencia, os impulsos se dissipam, e o essencial vem à tona. Meus desejos passam a ser não mais o reflexo dos meus medos e anseios, mas de quem eu realmente e profundamente sou. 
Meus verdadeiros desejos são então a manifestação do que me aproxima mais de mim mesma e dos outros. É uma partícula pequena, porém única e essencial para o todo. E ninguém pode me ensinar como ela é ou me levar até ela; só eu mesma posso descobrir.
E de tão pura e bonita, vai ver essa partícula é Ele em mim e também o que Ele deseja de mim. 
Finalmente, nossos desejos são os mesmos. Meu trabalho está apenas em desobstruir o caminho que leva a esse encontro.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Obrigada

Uma das coisas que eu tenho tentado praticar diariamente é gratidão. Não que eu não fosse grata há um tempo atrás, mas era uma prática que eu guardava mais pras minhas conversas de travesseiro antes de dormir.
Mas pra quê esperar o dia todo pra ser grato por um momento?
Lembro de todas as vezes que tive que acordar uma hora antes e esperar no frio pelo ônibus, e agradeço pelo carro quentinho à minha disposição.
Repasso todas as vezes que me forcei a sair da cama sem nem querer abrir a janela, e agradeço pelo dia começando feliz mesmo que às 7 da manhã.
Recordo de todas as vezes que só queria ouvir a voz da minha mãe dizendo meu nome, e agradeço por ouvi-la me chamando até pelos apelidos mais embaraçosos.
Tudo que eu passei me ajudou a colocar as coisas em perspectiva, para entender e acreditar que sou privilegiada por estar onde estou.
Mas, agora, penso duas vezes e acho injusto agradecer por algo bom só pela comparação com o pior.
Agradecer por um momento só porque ele poderia estar pior é como aproveitar aquela refeição maravilhosa do seu prato preferido só porque tem crianças na África que tem muito menos que isso. O agradecimento acaba se tornando um reflexo da culpa que eu sinto por não poder fazer nada por quem passa fome, que até tira um pouco do gosto da comida. Sim, ter essa perspectiva é importante, mas não é ela que deve imperar sobre a gratidão. 
Cada momento, seja ele "bom" ou "ruim" deve ser vivido em plenitude, com consciência do que está sendo vivido e porquê. Sem culpa, mas sim com a consciência de que tudo tem algo a ensinar.
Então abaixo o vidro das janelas do carro, ligo o rádio e canto como se não tivesse mais ninguém em volta.
E abro os olhos pela manhã, espreguiço o corpo e abro um sorriso dizendo a mim mesma que esse será um dia bom.
Ou largo o celular, a tv, o laptop só pra saber como foi o dia mais comum-nada-de-mais da vida da minha mãe.
A minha gratidão é condicionada pelo apreço que tento colocar em tudo que faço, por entender que toda situação me oferece algo que eu preciso para construir minha própria felicidade, que aí então pode se espalhar para outros à minha volta.
O "bom", o "ruim", o "pior" ou o "melhor" é só uma questão de percepção.
Hoje percebo que todo sentimento, sensação ou situação está a meu favor.
E sou grata por estar viva.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Estamos amadurecendo? Ou endurecendo?

Na minha visão, entre aquelas coisas lindas e antigas que já saíram de linha, em algum lugar entre a maquininha de chiclete da Eliana e o Pogobol do Gugu, está o conceito de alma gêmea.
Foi quase com um sentimento de nostalgia que ouvi dizerem:
"Eu acredito que tem apenas uma pessoa por aí que a gente vai amar de verdade."
Essa noção de "único", "apenas", "um só" passou a me assustar um pouco de uns tempos pra cá. Depois de algumas entregas e perdas, acho que qualquer um começa a questionar aonde raios está esse "um". Ou talvez isso só seja coisa de gente que investe tudo que tem pra fazer um amor dar certo pra sempre, mas no final nunca dá. Gente que fez o que eu fiz.
Mas, antes disso, a noção de "felizes para sempre" me assustou um bocado também. Com tamanho contraste entre contos de fada e realidade, acho que é normal esse conceito parecer meio utópico. Ou talvez também isso só seja coisa que gente que teve seus pais separados logo na infância, com poucos casais duradouros e felizes em volta para contradizer suas raízes. Gente com raízes como as minhas.
Na minha cabeça, essa mudança de conceitos fazia parte de um processo de amadurecimento. Mas vendo alguém dizer aquilo com tanta fé me fez sentir... fria. E esse é um conceito que eu nunca tive de mim mesma.
Será que a gente perdeu a fé pra não sair perdendo de novo na busca do amor?
A gente endureceu pra aprender a lição ou pra se proteger do que a gente presume que já sabe? Ou os dois?
Será que a gente precisa endurecer para amadurecer?
Talvez um faça parte do outro, mas não o defina.
Vai ver que o amadurecer de verdade acontece ao encontrarmos o caminho de volta a acreditar, mesmo depois de aprender a lição. E isso não é retroceder, acreditar cegamente ou ser inocente.
Isso é mudar, mas mantendo nossa essência, mesmo que com alguns elementos novos em volta.
Porque, acima de nossas experiências e traumas e raízes, também somos humanos.
E sim. Nós nascemos para amar.
Amar um só? 
Isso ainda não consegui responder.